domingo, 25 de julho de 2010

E finalmente.


E ela perdeu a esperança. Nem os livros a salvavam mais. Nem as palavras dos mais sensíveis escritores a faziam tirar os pés do chão, deixar a mente viajar e fazê-la acreditar em algo além do que os cinco sentidos são capazes de captar.
Ela desistiu do amor. Dormiu na décima página.
Sonhou com nuvens e anjos que lhe faziam companhia. Uma música suave a fazia dançar e as frutas tinham um sabor mais agradável do que o normal. Ela estava bem. O vestido era tão leve e a cor, tão clara que quase transparecia sua pele pouco bronzeada. Seus cabelos estavam sadios, brilhantes, sedosos, perfumados. E seus olhos brilhavam tanto que a esmeralda se tornou uma pedra sem valor. Sua alma estava em paz. E ela desejou morrer naquele sonho para encontrar toda essa maravilha vivenciada.
Sentiu uma mão em seu ombro. Acordou procurando descobrir onde estava. Um rapaz moreno, muito lindo, estava ao seu lado falando coisas sem nexo. Entendeu. Dormira na biblioteca. Sob o livro. E o moço a estava avisando sobre o fechamento da biblioteca. Era um leitor também. A convidou para tomar um café. Não nessas cafeterias expressas. Nesses cafés clássicos.
Ele contou da sua tese de doutorado. Da sua viagem para a Alemanha e do desejo de visitar o Japão. Ponto em comum. Ela estudava japonês. Conversaram sobre a cultura e decidiram marcar um jantar para a próxima semana. Ele a levou em casa. À pé mesmo. Ela não se importou. Nem esperava por isso.
Se casaram.
Tiveram filhos.
Visitaram o Japão.
Ele leciona História da Arte.
Ela desenha vasos. E também pinta telas. E faz artesanato.
Mas faz faculdade de Administração. Porque teve vontade.
Ele é louco por ela.
E ela não imagina a vida sem ele.
Acabou de escrever um livro. Sobre a sua vida.
Sobre como recuperou o amor. E como se permitiu.
E como deixou acontecer algo tão improvável.
Eles vão ficar juntos até, e se, a morte os separarem.

Do nada.


Eu fico excitada com a possibilidade de
ter feito coisas que as pessoas vão se recordar.
Mesmo quando eu já tiver esquecido.
Como aquele.
Eu não gosto de nada que me faça lembrá-lo.
Não fosto das datas que eu "comemorava" com ele.
Não gosto das lojas que ele comprava.
Não gosto das roupas que ele usava.
Da sua profissão.
Do seu gosto musical.
Muito menos do suco de laranja sem açúcar,
que hoje eu peço por estar acostumada.
E o que me faz rir são as pessoas que comentam
sobre nós sem saber que nós já fomos.
Que, por bondade divina,
esperteza minha e
saturação dele,
tivémos um fim.
E foi tão oportuno.
Porque hoje me encontro segura nos braços de alguém
que eu respeito.
Que eu gosto.
E que vou escrever histórias que as pessoas lembrarão
mesmo quando estivermos ausentes.
E como quero viver para marcar!
Viver para lembrar e não ser esquecida!
Como quero esse amor que me alivia!
Ai, vida!
:)

Incredulidade


E a gente
acredita que haverão
muitos braços para nos segurar
ante alguma queda.
Mas não existe. Eu me perguntava para onde
iam todos os sonhos interrompidos, desejos guardados,
promessas não cumpridas.
E descobri.
Vão para o inferno.
Alimentar as almas que vivem de ilusão.
Porque só vai para o céu
quem sabe o que é real.
E real é sentir dor.
Mesmo que dure segundos.
Real é descobrir que só podemos contar
com o nosso próprio esforço e
sacrifício.
Real são amigos que te esquecem
e amores que desgostam.
Que o mundo continue
girando devido à
conveniência
na qual as relações se estabelecem!
Porque o meu amor só cresce.
E o meu pesar também.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

"Siga as batidas do seu coração"


Uma sala.
Um sofá.
Um homem e uma mulher. Lado a lado.
E pensamentos diferentes.
O coração dela ainda acelerava quando via a foto de Fernando.
Até pensava que não aguentaria a emoção de ser surpreendida assim.
Definitivamente não sabia qual sentimento nutria por ele.
Ela acreditava ser fracasso. Desilusão.
Não sei. Mas o coração continuava acelerado.
Ela queria poder explicar.
Ao menos conhecer. Denominar a emoção que me acomete ao vê-lo - Ela pensou.
Saber que isso se chama amor.
Mas não era amor.
Amor ela sentia pelo cara ao lado.
Ela só queria saber por que Fernando a tinha esquecido se era tão importante para ele como falara.
Augusto não imaginava como a mente de Gabriela seguia rápido daquele jeito.
Ele só pensava que ela era tudo o que ele sempre precisou.
E os ventos já haviam mudado a direção dos pensamentos dela.
E Augusto permanecia imóvel.

Purificação


Uma lágrima cai.
E eu já não posso conter todos esses anos de reclusão.
A solidão deixou algumas marcas. As feridas cicatrizam de acordo com aquele meu tempo perdido. Mas o sangue ainda escorre. E preenche os espaços destinados à ilusão.
A dor de ser único é privilégio de quem a sente.
A felicidade nesse ser é tão merecida e desfrutada como fruta colhida no pé.
Eu acredito que aquele meu refúgio tenha sido descoberto por mentes oprimidas.
A minha sala não é mais cor-de-rosa. É de madeira. A lareira continua acesa. E mesmo que eu queria, os pertences não somem em um piscar de olhos. Essas recordações sabem do seu espaço e teimam em permanecer. Discutem comigo os seus benefícios. Ainda que eu acenda a luz e enxergue tudo verde claro e uma cama branca com os pés para a janela. Esse não é o verdadeiro lugar.
O cinza que impregna a alma dá as caras como a chuva na cidade grande.
O ar que entra pelos meus pulmões é mais azul. Mas ainda contém carbono.
E o livro da cabeceira...
está aberto na página duzentos e vinte e três.
Eu reflito.
Eu acordo e a cortina continua aberta. A janela fechada. E um jardim do lado de lá.
A secretária fala inglês.
O poeta, francês. E eu, com o meu português, fico sem saber para aonde ir.
Onde estou?
E uma campainha toca. É o aviso que a prova de roupas é a seguir.
Um espanhol, sem saber de tudo em mim,
sobre mim,
e que não lê minha mente,
abre um guarda-roupa.
E me sugere
um blazer.